segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Meu querido Outono (onde começam as recordações)





Querido outono...


Que o ano passado me deste o que iria ser futuramente uma grande batalha e lição de vida, o diagnóstico de um filho saudável, cheio de vida, que agradecia a Deus todos os dias essa vivacidade e saúde.
E de um dia para o outro vi-me perante o primeiro luto da minha vida, o luto do meu filho saudável, para começar a lidar com o mesmo meu filho, mas doente, mais frágil, ainda mais dependente...
A dor dele seria a minha a partir desse dia, desejava ser eu, desejava acordar daquele pesadelo, ou adormecer para sempre lado a lado com o meu filho.


O dia que era frio e chuvoso deixou de se fazer sentir no meu corpo. Pergunto-me hoje como uma situação poderá tirar de nós qualquer sensibilidade, mas a verdade é que fisicamente eu não sentia nada, não tinha frio, não tinha fome, não tinha sede, só identifico uma coisa naquele momento: Medo, muito medo... conheci-o de perto, e até hoje ele não me largou.
Outono que alteraste a minha vida, o meu ser.
Outono frio, que levaste o meu filho saudável...
Só desejo que que este ano o nosso Outono seja abençoado com uma nova vida, a vida daquela que lado a lado com o seu irmão guiará o meu caminho.


Outono frio, torna o meu coração mais quente este ano, e o medo que me apresentaste o ano passado, deixa-o aqui, mas não deixes que ele tome conta de mim e me descontrole.


Este ano em que faço o segundo maior luto da minha vida, o luto de não ter fisicamente o meu filho comigo, o luto crónico acompanhado de um amor imenso que não passa, não passará e que faço tudo para que não passe.
As imagens boas que á meses acompanham os meus dias, noites, horas e minutos.. As imagens desgastadas que andam tanto em mim que tenho receio que desapareçam.
É parvo? Sim poderá ser.
Mas é a verdade, a verdade daqueles que lidam com o amor sem ver quem amam.


Oh outono.... oh vida.... oh justiça...
Justiça, sim:
Partilho convosco a minha vontade durante alguns anos, em que dizia que gostaria de me formar em direito, que me fascinava lidar com justiça.
Confronto-me hoje com o doutoramento da vida, aprender a viver, reaprender a viver, e saber que por mais que Deus me tenha levado o meu bem maior, me vai dar este Outono a benção de amar igualmente um ser que me veio dar vontade de continuar...
Quando digo que a vida foi injusta comigo, lembro-me que no meio de tanta dor cresce em mim a justiça divina e inexplicável, um novo ser, que não será meu, mas terá certamente a outra parte de mim, aquela que não está algures pelo céu.
Querido Outono abraça a dor das minhas memórias, e permite que elas se tornem mais suportáveis...
Abraça e recebe a minha filha, e permite-me amá-la genuinamente sem que o medo tome conta de mim...
Querido Outono não leves as minhas memórias, deixa-as no meu coração e faz com que sejam eternas em mim.
Querida vida que me obrigas a crescer diariamente, que me fazes conhecer todos os sentimentos num só dia...
Que o amor seja eterno em nós e que caiba todo no nosso coração para sempre.
Que este seja suficientemente grande para atravessar a atrocidades da vida e chegue á alma dos meus filhos.
Que ele seja suficientemente válido para que a luz que acendo diariamente ao meu filho, chegue a ele a mim e a todos aqueles que sofrem...
Que a saudade não seja maior que ele.
Sim, porque uma coisa eu sei, ele viverá sempre em mim de uma forma pura e genuína.
Afinal o amor por um filho não morre, nunca.



Com amor,
A Mãe do Duarte