Querido
outono...
Que
o ano passado me deste o que iria ser futuramente uma grande batalha
e lição de vida, o diagnóstico de um filho saudável, cheio de
vida, que agradecia a Deus todos os dias essa vivacidade e saúde.
E
de um dia para o outro vi-me perante o primeiro luto da minha vida, o
luto do meu filho saudável, para começar a lidar com o mesmo meu
filho, mas doente, mais frágil, ainda mais dependente...
A
dor dele seria a minha a partir desse dia, desejava ser eu, desejava
acordar daquele pesadelo, ou adormecer para sempre lado a lado com o
meu filho.
O
dia que era frio e chuvoso deixou de se fazer sentir no meu corpo.
Pergunto-me hoje como uma situação poderá tirar de nós qualquer
sensibilidade, mas a verdade é que fisicamente eu não sentia nada,
não tinha frio, não tinha fome, não tinha sede, só identifico uma
coisa naquele momento: Medo, muito medo... conheci-o de perto, e até
hoje ele não me largou.
Outono
que alteraste a minha vida, o meu ser.
Outono
frio, que levaste o meu filho saudável...
Só
desejo que que este ano o nosso Outono seja abençoado com uma nova
vida, a vida daquela que lado a lado com o seu irmão guiará o meu
caminho.
Outono
frio, torna o meu coração mais quente este ano, e o medo que me
apresentaste o ano passado, deixa-o aqui, mas não deixes que ele
tome conta de mim e me descontrole.
Este
ano em que faço o segundo maior luto da minha vida, o luto de não
ter fisicamente o meu filho comigo, o luto crónico acompanhado de um
amor imenso que não passa, não passará e que faço tudo para que
não passe.
As
imagens boas que á meses acompanham os meus dias, noites, horas e
minutos.. As imagens desgastadas que andam tanto em mim que tenho
receio que desapareçam.
É
parvo? Sim poderá ser.
Mas
é a verdade, a verdade daqueles que lidam com o amor sem ver quem
amam.
Oh
outono.... oh vida.... oh justiça...
Justiça,
sim:
Partilho
convosco a minha vontade durante alguns anos, em que dizia que
gostaria de me formar em direito, que me fascinava lidar com justiça.
Confronto-me
hoje com o doutoramento da vida, aprender a viver, reaprender a
viver, e saber que por mais que Deus me tenha levado o meu bem maior,
me vai dar este Outono a benção de amar igualmente um ser que me
veio dar vontade de continuar...
Quando
digo que a vida foi injusta comigo, lembro-me que no meio de tanta
dor cresce em mim a justiça divina e inexplicável, um novo ser, que
não será meu, mas terá certamente a outra parte de mim, aquela que
não está algures pelo céu.
Querido
Outono abraça a dor das minhas memórias, e permite que elas se
tornem mais suportáveis...
Abraça
e recebe a minha filha, e permite-me amá-la genuinamente sem que o
medo tome conta de mim...
Querido
Outono não leves as minhas memórias, deixa-as no meu coração e
faz com que sejam eternas em mim.
Querida
vida que me obrigas a crescer diariamente, que me fazes conhecer
todos os sentimentos num só dia...
Que
o amor seja eterno em nós e que caiba todo no nosso coração para
sempre.
Que
este seja suficientemente grande para atravessar a atrocidades da
vida e chegue á alma dos meus filhos.
Que
ele seja suficientemente válido para que a luz que acendo
diariamente ao meu filho, chegue a ele a mim e a todos aqueles que
sofrem...
Que
a saudade não seja maior que ele.
Sim,
porque uma coisa eu sei, ele viverá sempre em mim de uma forma pura
e genuína.
Afinal
o amor por um filho não morre, nunca.
Com
amor,
A Mãe do Duarte